terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Desato



Me perca de vistas que já te perdi.
Em minha frente, não aceito trapaças.
Aquele amor intenso, hoje, habita numa casa vazia.
Cada palavra tua é um mar de signos.
Nem são todas para mim.
Sou, hoje, as mulheres que já teve.
Meu amor é plural.
Você, desconhecido, falso.
É a hipocrisia que insisto em manter.
Me mantenho alheia e talvez te ame, sem você.
Enquanto isso, descubro quão grande é meu amor.
E o quanto ele não cabe somente em nós.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Partiturar


Ah! Não tolerarei os teu instintos ocos.
Teus melindres poucos ,teus suspiros mais.
Desviarei, aos poucos, dos teus beijos,
Teus meios ensejos, teus mil embornais.
Transformarei meu charme em ternura,
Em dez mil agruras, em frases faciais.
Planejarei meu plágio em segredo
Indicarei a dedo o que me satisfaz, mais.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Sibilam


Seus olhos caídos não me deixam te penetrar.
Não me deixam...
Seu olhos desviam.
Deixam, eles viam,
seus olhos, não me deixam olhar.
Tremulam, esquivam.
São mesmo esses olhos que um dia quis eu cegar.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Des(e)insp(e)irada

Pensando bem, melhor mesmo é nem pensar.
Pensando bem, gostaria eu me adaptar.
Pensando bem, aquela goiaba nem tinha gosto.
Pensando bem, decidi ficar.
Pensando bem, amar até o caroço.
Pensando bem, quem sabe até mastigar.
Pensando bem, não consigo pensar.
E o pior é que penso que um dia hei parar.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Aqui


Estratado o céu se expõe.
Guarnieri toca e mergulho nas Ondas de Virginia.
Sugo o gosto do chiclets gasto.

Chuva

De tão rasos,
me enchi de rasuras.

...

Minha cabeça anda a sem pra frente.
Cem passado e cem presente.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Chôro


Enumerei minhas sinestesias,
azias, os pontos dos contos que aumentei.
Criei cantiga, artigos invertidos,
vim tomar partido e nosso crime inventei.
Me travesti nos meus poemas tortos,
meus suspiros roucos, letras garrafais.
Me toque atônito, não toque a tônica.
- Mais!
Esconda aquele choro que é pra ninguém ver.
Fácil me faço em versos depravados
e os decorados guardo pra você.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Uma só


Se ele soubesse que o gosto da laranja é ácido,
Beijar-me-ia até sugar meu gozo.
Ousar-me-ia até olhar meu rosto.
Sentir-me-ia até não poder mais.

Mas ai de quem, por trás de outra, esconde
Vivaz sorriso insípido, ousado, inquietante,
Medroso, de teor inócuo, juras de amor me faz.

Prometo, então, dar-te o que queres,
Sem me mostrar inteira, sem me escravizar,
Sem dar-te os meus cheiros, meus recheios.
Não te deixo salivar.

Só dou-te o doce da laranja.
A casca, grossa, amarga.
Não chupas meu bagaço.
Traço-te em pedaços.

Num gesto coincidente,
Ousa agora me atrapalhar?
Digo-te c’oas palavras que planejo de improviso.
Termino meus versos por não deixar-me acabar.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Tintureiros


Três pintores jogam cores
Entre cantos e cantigas
Criam contos entre mofos
Vestem manchas em camisas
Sonham verde em laranjas
Varrem o pó do azul anil
Palavream rosas antigos
Descarrilha o parafuso

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Goteja


E em minhas águas me canso,
rio manso que não quer jorrar.
Mas vai,vai cascata, vai borrão.
Vai modernizar.
Quero o novo, sem ferida.
O "céu" sem medida.
O café controlado
e o leite adoçado.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Embriaga(o)-me


Espasmos sinestésicos,
em mim, permanentes.
Transfiguração inter-helênica,
eu, coberto de pele dormente.
A jorrar giros neologísticos,
cópias velhas de Platão.
Acelerada a mente,
um gênio traço.
Respiro lento a longa dopamina,
ouço o estalo da forma,
vejo em escura sincronia,
toco entre um toque salivar.
Eu, bêbado de sentidos.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Me até me


Se só me sobrassem pontas,
as colocaria na estante,
empilhadas em livros,
embrulhadas em guardanapos,
com versos esquecidos
rabiscados com batom.

Dos inteiros, gastaria até o último sabor,
até o último cheiro, o último odor.
Me tocaria até gastar os dedos,
irisar os seios, me transformar em déia,
em poetastra indolor.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Ayer


Unilateralmente, Bach.
Villa Lobos santanense, um ouvido inaudível,
o acústico tilintar aquático,
elétrico, lacínio, toca.
Meu...Tímpano...
Cai a chuva e ouço as notas que retratam-me a pele,
os traços,
toca-me a alma, os laços.
Toca-me, me toca freneticamente,
com os dedos, em ré sustenido,
meu suspiro agudo. Gemido.
Respiro a dor ausente,
presente noturno.
O baixo abaixado,
ritmo cortante, stacatto.
Luiza, que agita meu cobertor.
Tremo até minh'alma se sentir beijada.
Ai...
O cheiro da fumaça que não sinto.
O gosto da bebida
Bebo apaixonada até o último gole.
Quero fechar os olhos e os fecho abertos.
Sete cores, et cores, et cor'es...
É sempre bom lembrar,
o seresteiro nato
tem um negro rosto sombrio,
um vazio sábio.
Um cheiro de ar.

domingo, 29 de julho de 2007

Duas cantigueiras


O gordo ou o magro?
Conversa de mariquinhas
Interior recalchutado
Pode assim?
Como é?
É a junta, o instrumento
Machucado, realento
Misericórdia, atormento
Chuva fraca.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Tem gente que simplesmente cai



A sede de respostas instantâneas, acompanhada da incapacidade de lidar com a realidade. A pressão de pessoas que se julgaram capazes de subverter uma moral já construída. A leitura, como antecessor desesperado, do símbolo primeiro da legislação moral: a Bíblia. A incongruência certeira para o alívio imediato. Sete vidas. Sete vidas? Imagina...

Quantas chances gastas? Dúvida. Na dúvida, o risco. Pulo. Aos poucos tudo se esclarece. Conhecemos as pessoas de trás pra frente. Ou vice-versa, de acordo com o ponto de vista. Buscamos entender e conhecer e saber, saber, saber... A nós sim. A nós mesmos, conhecemos linearmente; no sentido horário, digamos. Caí. E tudo começou. E começo a me reconhecer como às pessoas (outras); no inverso. Me dividi no espaço e no tempo. Relembro os fatos através de memórias de outrem.

-O que aconteceu?

Olhei pra cima entorpecida e, como quem vê e desacredita, reconheci a janela, agora de baixo, e logo entendi que a legislação moral consultada teria sido interpretada conforme meus acumulados conceitos superficiais ou antropocentristas e que Newton estaria certo nas suas descobertas universais. Gritei de dor.

O primeiro estímulo. Inconscientemente, me reservei um papel insignificante. Começaram a me atormentar as ambigüidades, as dualidades. Ressonâncias em meio a um recente estudo sonoplástico. Memórias esquecidas trazidas forçosamente à tona. Família. Passeios em corredores hospitalares. Medo. Visões.

Na volta pra casa, realidade construída, mentalidade forjada. Suor, sujeira, dor. Medicação. Medicação controlada, conteúdo programado, referências transformadas. A vitamina C que despedaça o céu. Da boca. O gosto ruim do artificial. Os protocolos ditando a procedência necessária. Os excessos camuflados, a instituição dissimulada. O modelo psicopatriarcanal (e/ou psico-patriarca-anal). Filmes postulados, discos arranjados, políticos marimbondos, corpo morimbundo. Impregnação de medicamentos (e símbolos). Ambulância, hospital, despedida.

Televisão. Quadros. Abstração significativa. Interpretação de toda e qualquer informação. Necessidade de captar todos os eventos, circunstâncias. Tomar conta do mundo. Relembrar como se constrói argumentação. Mais; como aplicá-la com domínio.

E qual domínio se tem para argumentar quando sua última ação resume-se a um pulo da janela do terceiro andar? A possibilidade de morrer existia desde o início, mas o medo de ser incapaz superou a coragem de voar rumo ao piso da garagem.

Certeza do dilúvio universal, impotência humana frente às forças naturais. Guerras maniqueístas. Fundamentalistas radicais, sensores, contraventores, oportunistas. Coincidências sobrenaturais. Novidades seculares, heptagonares. Certeza de um "fim" próximo; humanidade ancestral. Terra; pequeno território interplanetário circular.

Mudança de quarto. Reuniões decisivas, tecnologia avançada, controle da vida. Mudez descontrolada, cegueira internada. Sensações aguçadas, pensamentos fervilhantes, sons retumbantes. Amor.

Amor que se sente no sangue, no músculo, no osso, na veia, no cérebro. Contato, tato que dói, queima, alivia, arde. Verdade que se esconde, esconde e, de repente, jorra.

Deus. Arte. Perdão. Nojo. Intriga. Jejum. Pão. Paz. Força. Comunicação.

Gente sente tudo.