
Recomeço a escrita, a partir do corpo, das pautas da pele, dos sentidos. O instinto é meu guia e todas as alusões são consequência da relação do corpo com a natureza, a representação exterior e com a alma, o sentimento interino.Aos poucos, e lentamente, acontece o reconhecimento das coisas, do outro, das palavras e seus significados que, agora, parecem ter um peso maior na construção dos argumentos, na organização do pensamento.
A vida observada em terceira pessoa, por detrás da quarta parede, é convidativa e sedutora, mas já não posso gozá-la como antes. É um gozo diferente, epitelial, contido que economiza energia para todos os outros; é a negra iluminação arquitetada a cada dia, aprendida, reaprendida. É o silêncio em resposta às necessidades alheias (que incomodam), é a aceitação do ser como indivíduo único imperfeito que se relaciona com o meio do qual faz parte, de forma intensa e destemida.
Me entrego à vida, como à morte. A vida é a morte. Dessa maneira, começam a surgir os esboços poéticos abstratos; palavras soltas, amplas de significados, curtas, compridas, às vezes ultra genéricas, às vezes não. No entanto, uma palavra, a partir do momento em que o "r" mais forte - desses que bem caracterizam o infinitivo - se deixa visto, é impossível não sucumbir à continuação da frase, do parágrafo, do verso, da fala, do texto...
Tudo mais explícito nos parâmetros da concreta compreensão - que nenhuma ligação tem com qualquer juízo de valor. Não há limiar entre o verdadeiro e o falso, o certo e o errado. Apenas um impulso, uma improvisação cada vez mais consciente do que a vida oferece. Nada mais é que a expressão do pensamento (não em sua plenitude; a escrita não é capaz de acompanhar a velocidade do pensar subjetivo. A escrita é linear, o pensamento dilui-se em múltiplas variações, as quais a tradução motora é incapaz de acompanhar).
Fato é que, intuitivamente ou não, acontece uma seleção natural (que, neste caso, não faz referência a Darwin)pela qual optamos por utilizar este ou aquele termo. Somos nós os determinadores de nossa expressão e fazemos isso pensando, sempre, no olhar do outro. Do outro que lê. Mesmo que este outro sejamos nós mesmos.
Assim é a vida; um compilado de textos, um mar de signos, o pensamento traduzido em atos, sempre inacabados.