terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
II
Anoitada promete. Seba, neto de Isolda, sempre achou que bicho-verme morre é no mato mes e sem mioll. A faca anda semprendurada na cartucheira e se nego dé mole el chega fazen justis. Só pega moça virgem. Ot dia pareceu uá morenin metida a tocá viola e ele nem esperou vent levantá sai dela pra escostá ela num cant depressa. A coitadinha num sabia q el já tinha er costum de faze is, mas só com as moça virge. Nessistória, a Maria continuo tocan e el fazende tud pra incubri os oi de girassol e escondê a verdad. Verdade q era só Del mesm. El já tinha matad, metid, cherad, robad, casad, comid, amad, amig, marid, tarad. Agora ele era tarado. E num tinha problema em passá doença pra moça não. El gostava mesmo era de espalhar a semente no mundo. No mundo dele que mais parecia um zoológico de bichos mortos e vazios. Ele era quase sempre vazio. Não tinha muito assunto. Nesse dia, chegou fincando a faca na mesa da sinuca e pegando Maria pra dançar. Tratava a Dona Isolda igual a um gentleman. Sempre chamava Ivone, a do torresmo, de querida, mas a verdade é que ele já tinha feito um filho nela anos atrás e ela, sem ninguém ver, enfiou uma agulha de tricô lá dentro. Foi uma cena horrível, mas pelo menos hoje ela num era obrigada a ver ninguém correndo por aí e chamando um “açougueiro” de pai. E também ele já tinha fama ali na zona. Ninguém sabe quantos filhos espalhou por aí.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
I
Eu quero ser como a porteira que leva chifrada de touro bravo e permanece intacta. Madeira como ela só que alimenta o fogo e se perde negra; carvão. Ela própria disfarçada de tinta branca, madeira.
- Que os bichos não comam meus pés soterrados no barro. Meus pés, esfinges para a grama que cresce baixa e morre alta no meio dos canaviais onde as moças se escondem para fazer coisas proibidas e dançar entre os espinhos, engalfinhadas aos pescadores.
Eles, quase sempre muito fortes, saem 3 vezes ao dia pra pescar carapaus e tucunarés... Independente da originalidade opostamente aquática dos citados, o fato é que se encontram na cozinha e juntos servem de comida pra família que todo dia reza no mesmo horário para agradecer mais uma trinca de boa água.
A poucos quilômetros daquele lugar, na zona ribeirinha, o asfalto já traz vestígios urbanos como anúncios comercias e faixas de candidatos a vereadores.
Na venda do Adair, cachaça branca curtida em tonel de barro com buquê de álcool etílico mesmo e quatro homens que jogam sinuca.
Ivone frita torresmos pra dois bêbados que conversam sobre o jogo de futebol de depois da sesta: Cavucá x Seumininos.
- Que os bichos não comam meus pés soterrados no barro. Meus pés, esfinges para a grama que cresce baixa e morre alta no meio dos canaviais onde as moças se escondem para fazer coisas proibidas e dançar entre os espinhos, engalfinhadas aos pescadores.
Eles, quase sempre muito fortes, saem 3 vezes ao dia pra pescar carapaus e tucunarés... Independente da originalidade opostamente aquática dos citados, o fato é que se encontram na cozinha e juntos servem de comida pra família que todo dia reza no mesmo horário para agradecer mais uma trinca de boa água.
A poucos quilômetros daquele lugar, na zona ribeirinha, o asfalto já traz vestígios urbanos como anúncios comercias e faixas de candidatos a vereadores.
Na venda do Adair, cachaça branca curtida em tonel de barro com buquê de álcool etílico mesmo e quatro homens que jogam sinuca.
Ivone frita torresmos pra dois bêbados que conversam sobre o jogo de futebol de depois da sesta: Cavucá x Seumininos.
Antonio Loureiro lança seu primeiro cd no Brasil, com turnê prevista em Portugal
Antônio Loureiro lança dia 27 de fevereiro, no Café com Letras, às 17hs, seu primeiro cd autoral, produzido de forma totalmente independente, e que conta com a participação de grandes nomes nacionais e internacionais como André Mehmari, Marcelo Pretto, David Linx, Fabiana Cozza, 5to Sugeito a
guincho, Sergio Pererê, entre outros.
O premiado multi-instrumentista, graduado em percussão pela UFMG, com especialização em composição e teclados de percussão, tem cada vez mais se interessado pela linguagem popular brasileira aplicada a instrumentos de origem estrangeira e desenvolvido, em paralelo, seu trabalho como compositor de canções e agora também experimentando interpretar algumas de suas músicas.
Antonio que, aos 20 anos, conquistou o prêmio de composição do banco BDMG e teve, recentemente, sua obra reconhecida por David Linx, um dos grandes exponentes do jazz europeu, agora, aos 23 anos, pretende introduzir seu trabalho na Europa, começando com uma turnê que vai do norte ao sul de Portugal e passa ainda por países como Espanha e França.
Em Portugal, o lançamento oficial acontece no teatro Santiago Alquimista, em Lisboa, onde Antônio já tem também outros shows agendados em casas tradicionais como a Fábrica Braço de Prata, Onda Jazz, Teatro Tempo, em Portimão, nas Fnacs, entre outros.
Nos shows, músicos brasileiros como Matheus Bahiense (bateria), Rafael Martini (piano, violão, acordeon e voz), Frederico Heliodoro (contra-baixo acústico, elétrico e voz) e Joana Queiroz (clarineta) acompanham Antonio, que também contará com as participações especiais das cantoras portuguesas Eugénia Mello e Castro e Susana Travassos.
Além de participar de programas nos canais RTP 1 e 2, onde, há pouco tempo, esteve Sueli Costa, grande nome da música popular brasileira, Antonio, pretende divulgar através de outras mídias e principalmente dos shows, o seu trabalho que é reflexo da música de grande qualidade que vem sendo feita atualmente na cena belorizontina.
Abaixo, uma entrevista com o multi-instrumentista:
Se você pudesse listar suas principais referências na música, quais seriam?
Seria muito listar tudo. Muita musica que acontece em Minas me influencia porque tem muita musica. Desde que toquei bateria na banda de Toninho Horta, a música dele me influenciou e ensinou muito em todos os instrumentos que toco hoje. Milton Nascimento também é uma grande referência em alguns aspectos da canção. Kristoff Silva também. Fora estes, Maria Schneider, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, o Rafael Martini que toca piano comigo, muitos bateristas como o Esdras Neném Ferreira, Brian Blade, os grandes pianistas Herbie Hancock, Brad Mehldau e a música de Wayne Shorter. Outro grupo que venho escutando muito e que acaba me influenciando é o trio the Bad Plus. Não posso esquecer-me do mestre Senegalês Doudou Rose e seu grupo maravilhoso.
Como você definiria suas composições?
Gosto de musica! Gosto de trabalhar com a canção bem como com a música instrumental. Aprecio escrever para os instrumentos, aprender a tocá-los. Me atrai o resultado musical que um gênio como Stravinsky consegue alcançar, assim como me atrai o resultado musical que o pessoal dos Radiohead alcança. Fora a música popular do Brasil e do mundo, as manifestações populares do Brasil, a musica Africana, dos Pigmeus enfim... Essas coisas estavam na minha mente quando eu compus essas músicas que apresento.
O que você conhece de música portuguesa?
Conheço pouco o Fado (quero muito conhecer nessa viagem), a música de Mário Laginha, Maria João, Eugenia Mello e Castro e Susana Travassos. Conheço também um pouco do trabalho maravilhoso do percussionista Pedro Carneiro e do grupo de percussão Drumming.
Como foi trabalhar com o David Linx?
Eu conheci o David em 2008. Ele é um grande musico belga que tem uma história incrível de música e que, além de ter gostado muito do meu trabalho, quando nos conhecemos ficamos muito amigos e ele sempre me deu forças pra realizar este álbum que estou lançando em Portugal. Pude contar com a maravilhosa performance dele no meu CD na música “A Partir”, parceria com Leonora Weissmann que interpreta a canção.
Depois de um trabalho reconhecido não só na cena musical belorizontina e tantas parcerias com grandes nomes da música do mundo, como é, pra você, lançar esse primeiro disco, de forma totalmente independente?
A decisão de continuar um árduo trabalho sem fim! Eu vejo que para a música que fazemos, temos que procurar meios independentes de realizá-la, meios diferentes. Essa viagem é uma caça a diferentes formas de se trabalhar com a música que fazemos. A intenção é buscar o reconhecimento de quem é próximo e tem afinidade com essa música que faço, para se estabelecer a troca, o laço que faz essa música acontecer. Em Belo Horizonte esse reconhecimento me parece ser mais difícil ou então mais lento. Você tem que esperar outros grandes músicos e compositores com mais estrada, serem reconhecidos primeiro e, numa terra com tanta música boa, isso se torna cada vez mais difícil para o artista.
Quem fez a direção musical do disco?
Eu
É difícil criticar o nosso próprio trabalho, mas você, como diretor, produtor, instrumentista, compositor e intérprete do disco. O que você diria do resultado desse trabalho?
É um processo de experimentação. Agora já estou entrando em outra fase. Por exemplo: mais da metade do show são de musicas novas já, ou mais antigas do que o CD e que não entraram. Quer dizer, eu escuto curtindo bem algumas coisas, e já querendo fazer outras novas. Eu gosto de escutar o disco todo. Ele não é grande e tem um caminho bom. As músicas são muito diferentes uma da outra e o fato de ter vários intérpretes torna a escuta mais cheia de surpresas agradáveis, porque os convidados são sensacionais!
Muitas vezes é preciso sair para ser valorizado dentro da sua "casa". Você acha que uma turnê de lançamento na Europa abre as portas para o seu trabalho no Brasil? Quais são as suas expectativas?
A história nos mostra isso não é? Ao mesmo tempo podemos estar vivendo uma era musical diferente. Não sei como será isso. Tomara que seja melhor pro trabalho esta turnê, pois é muito difícil ainda promover meu trabalho no Brasil. Especialmente em Belo Horizonte. Gostaria muito de tocar mais em lugares legais pras pessoas irem conhecendo essa música que está sempre se transformando. Tem muito mais novidade e música do que show. (Risos)
O bom é que esses concertos vão agulhar o grupo para, quando voltarmos, fazer um show bem legal aqui. Acho que os produtores de Belo Horizonte não confiam tanto na nova cena musical da cidade. Pode ser que tenham razão em alguns casos, mas isso não pode comprometer toda cena musical. Tem de sempre estar atento ao que é feito e enxergar o que tem capacidade de crescer, investindo nisso.
Você se lembra da primeira vez que ouviu a master finalizada? Se pudesse dizer uma palavra pra definir o que você sentiu, qual seria?
Fim
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Education
Agora a conversa começa a ficar séria.
Vou aprender a escrever. Por que não?!
É um que me dá um tapa na cara no carnaval.
Outro que mendiga alegria com a boca seca de dentes.
E você, filho da pauta, que pensa apartar todos os sentimentos, inclusive a dor dos fracos e oprimidos. Opressor de uma figa!
Não toca merda nenhuma.
Vai pro caralho com toda sua penca de palavrões e certezas.
Estou cansada de esconder as minhas dores e fazer falsas cerimônias.
Cansada de ouvir seus berros.
Você parece com um filho da puta que eu conheço.
E aliás filho da puta pra mim é elogio.
Porque quem disse que a puta não vale?
A puta vale! E muito!
Talvez seja mesmo muito interessante escrever nas entrelinhas.
Mas cansei. E quer saber? Sou neta da puta! (Não me levem a mal, isso não é nenhum xingamento literal à minha vó)
Hoje estou cansada como já estive outros dias.
Não quero revisar nada.
Não quero escrever nada que já esteja previsto.
Nem quero fazer disso aqui uma mera vitrine para a apreciação literária.
Bela (ou maldita) a hora que comecei a me desnudar nesse prostíbulo virtual.
Não. Eu não quero parecer revoltadinha!
Tadinha!
Tadinha de mim, dela e de quem sofre na alma.
A pele é mais superficial. Superficial mesmo que o fim ou início do umbigo.
Porque quando cortam. Cortam é bem perto mesmo.
E cada um fica de um jeito. Um mais esticado, outro mais redondo.
Chega de fisgadas. Eu até entendo que tudo é muito lindo e que também não tenho mais dezessete anos já fazem quase 8. Mas puta merda. Ainda me vem dizer que não tenho educação. We don’t need more education!!!
Espero não morrer no exílio de qualquer uma dessas clínicas psiquiátricas ou amarrada na minha própria cama!
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Varanda
Não me leve a sério quando
Digo que te quero
É meramente um contrato diferente
Bem distinto e negligente
Bento tanto que não quero
Levar farpas e arames
Dos segredos controversos
-
Contra as roupas na varanda
Estão impressos meus protestos
Digo que te quero
É meramente um contrato diferente
Bem distinto e negligente
Bento tanto que não quero
Levar farpas e arames
Dos segredos controversos
-
Contra as roupas na varanda
Estão impressos meus protestos
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Declaração de amor ou Ana Pedro
Eu te amo
Amo de um jeito inexplicável
Eu quero ser só sua
Te amo
Te amo pelo seu amor
Porque você cuida de mim
Eu te amo e quero ficar com você
Te amo daquele jeito apaixonado que te achei
Te amo louca
Porque quero você
Te amo aqui e em qualquer lugar
Amo
Eu te amo quantas vezes você quiser ouvir
Te amo porque você é minha música, minha poesia, meu livro
Te amo porque amo seu sexo
Te amo
Amo...
Amo...
Sou o seu amor, viu amorzinho?
Olha que declaração mais maravilhosa:
Eu te amo pra quem quiser ouvir...
Quero dormir na sua cama grande
Escrever nas suas paredes e no seu corpo
Pra você fazer o que quiser comigo
Porque sou sua Glória, sou Pagú
E porque você não é covarde
Porque você é silêncio...
Na tempestade, você sofre
Mas eu estarei do seu lado
Até a última música do Tom Jobim
Até a última poesia do Vinícius
Te amo porque quero viver de arte
E porque só você viu aquela concha
Porque você brinca de inocência
E já sofreu
Eu também já sofri, mas eu te amo
Amo e atiro as roupas pela janela
Porque aprendi a amar índio, branco e preto
Até sacar que um diploma não vale nada
E que dois menos ainda
Ainda mais quando um não vale mesmo
Te amo porque daqui a 7 anos vamos ter um filhinho
Tão bonitinho...
E principalmente porque você vai deixar eu colocar o nome que eu quiser tipo:
Ana Pedro.
Amo de um jeito inexplicável
Eu quero ser só sua
Te amo
Te amo pelo seu amor
Porque você cuida de mim
Eu te amo e quero ficar com você
Te amo daquele jeito apaixonado que te achei
Te amo louca
Porque quero você
Te amo aqui e em qualquer lugar
Amo
Eu te amo quantas vezes você quiser ouvir
Te amo porque você é minha música, minha poesia, meu livro
Te amo porque amo seu sexo
Te amo
Amo...
Amo...
Sou o seu amor, viu amorzinho?
Olha que declaração mais maravilhosa:
Eu te amo pra quem quiser ouvir...
Quero dormir na sua cama grande
Escrever nas suas paredes e no seu corpo
Pra você fazer o que quiser comigo
Porque sou sua Glória, sou Pagú
E porque você não é covarde
Porque você é silêncio...
Na tempestade, você sofre
Mas eu estarei do seu lado
Até a última música do Tom Jobim
Até a última poesia do Vinícius
Te amo porque quero viver de arte
E porque só você viu aquela concha
Porque você brinca de inocência
E já sofreu
Eu também já sofri, mas eu te amo
Amo e atiro as roupas pela janela
Porque aprendi a amar índio, branco e preto
Até sacar que um diploma não vale nada
E que dois menos ainda
Ainda mais quando um não vale mesmo
Te amo porque daqui a 7 anos vamos ter um filhinho
Tão bonitinho...
E principalmente porque você vai deixar eu colocar o nome que eu quiser tipo:
Ana Pedro.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Eu, recorrente
Nada do que sinto mente
Minto verdadeiramente
Que a gente já não sente o que sonhou
Sinceramente
Na mente há tanta coisa
Que se esconde
Muitos corações doentes
Mil pecados indecentes
Um resquício de amor
Traumas, almas descontentes
Crimes presos em enchentes
Portas que ninguém fechou
Se há em mim inconsciente
Crio um rio, paciente
Na corrente arrasto os restos
Verso o pouco que sobrou
Minto verdadeiramente
Que a gente já não sente o que sonhou
Sinceramente
Na mente há tanta coisa
Que se esconde
Muitos corações doentes
Mil pecados indecentes
Um resquício de amor
Traumas, almas descontentes
Crimes presos em enchentes
Portas que ninguém fechou
Se há em mim inconsciente
Crio um rio, paciente
Na corrente arrasto os restos
Verso o pouco que sobrou
Uma ode à charada, por Teatro Invertido
A produção artística e o posicionamento político de jovens grupos teatrais, criticadas por dois importantes nomes do teatro mineiro: Jota D’ângelo e Pedro Paulo Cava, em recente matéria veiculada pelo Jornal Estado de Minas, realmente merece a discussão que vem provocando via internet. Talvez, porque o Grupo Teatro Invertido se considere um forte representante do novo gênero que chamam de “teatro charada”, ao ler a referida matéria, a resposta escrita por Gustavo Bones do Grupo Espanca! e a réplica de Cava, também nos sentimos motivados à contribuir com este debate.
Num momento em que as fórmulas prontas, os sucessos requentados e o “mais do mesmo” têm tanto espaço na grande mídia, a classificação “teatro charada” não diminui ou desmerece nosso trabalho. Pelo contrário, nos satisfaz reconhecer que o teatro feito pelos grupos da cidade consegue propor charadas a seus espectadores e, certamente, essa tem sido uma de nossas maiores preocupações. Parte do tempo que dedicamos às nossas criações é tomada pela formulação de perguntas – muitas delas que nem nós mesmos sabemos responder – e por isso as compartilhamos com nosso público. Acreditamos, assim, estabelecer um diálogo real com aquele que nos assiste, considerando-o co-autor da obra que apresentamos, sem subestimá-lo ou nivelar por baixo sua capacidade de reflexão.
Nosso maior compromisso é com a construção democrática de uma nação justa, sensível e que garanta ao cidadão seus direitos constitucionais, dentre eles, o acesso à cultura. Não podemos, portanto, nos furtar à dimensão política inerente ao nosso fazer e perceber que ela é muita mais profunda do que parece. Defender o incentivo fiscal como principal mecanismo de financiamento à cultura, é obrigar o artista brasileiro a se relacionar com seu público como consumidor, com seu trabalho como produto, com sua obra como mercadoria, seguindo única e exclusivamente o princípio da mais valia. O repasse da responsabilidade do Estado de fomento à produção cultural para a iniciativa privada tem causado tais distorções e feito predominar no país uma política privatizante, excludente e concentradora.
Trabalhamos na contramão da economia de mercado, reconhecemos o direito à cultura como exercício crítico da cidadania e por isso, não podemos nos sujeitar aos interesses do capital. Viver reféns de uma farta bilheteria ou dos humores do marketing empresarial para garantir nossa manutenção é o mesmo que decretar o fim de nosso ofício.
Reafirmamos o entendimento de que cabe ao Estado criar condições sociais, políticas e econômicas para a construção de uma sociedade na qual a arte e a cultura sejam compreendidas como um direito universal. A luta por mecanismos legais de fomento que proporcionem ao artista a criação livre das influências mercadológicas, financiada diretamente por fundos públicos, é uma causa baseada em princípios éticos e ideológicos, que extrapola questões estéticas e corporativistas.
Nossa crença em um Estado efetivamente democrático e que conte com a participação da sociedade civil organizada na formulação de suas políticas públicas, resiste com tamanha veemência por também acreditarmos que a luta contra a censura e o cerceamento à liberdade de expressão, travada durante o período da ditadura, não foi em vão.
Grupo Teatro Invertido*
Belo Horizonte, 04 de fevereiro de 2010.
* O Grupo Teatro Invertido foi criado em 2004, tem cinco espetáculos em seu repertório, e desde 2008 é sediado no bairro Sagrada Família - Belo Horizonte.
Num momento em que as fórmulas prontas, os sucessos requentados e o “mais do mesmo” têm tanto espaço na grande mídia, a classificação “teatro charada” não diminui ou desmerece nosso trabalho. Pelo contrário, nos satisfaz reconhecer que o teatro feito pelos grupos da cidade consegue propor charadas a seus espectadores e, certamente, essa tem sido uma de nossas maiores preocupações. Parte do tempo que dedicamos às nossas criações é tomada pela formulação de perguntas – muitas delas que nem nós mesmos sabemos responder – e por isso as compartilhamos com nosso público. Acreditamos, assim, estabelecer um diálogo real com aquele que nos assiste, considerando-o co-autor da obra que apresentamos, sem subestimá-lo ou nivelar por baixo sua capacidade de reflexão.
Nosso maior compromisso é com a construção democrática de uma nação justa, sensível e que garanta ao cidadão seus direitos constitucionais, dentre eles, o acesso à cultura. Não podemos, portanto, nos furtar à dimensão política inerente ao nosso fazer e perceber que ela é muita mais profunda do que parece. Defender o incentivo fiscal como principal mecanismo de financiamento à cultura, é obrigar o artista brasileiro a se relacionar com seu público como consumidor, com seu trabalho como produto, com sua obra como mercadoria, seguindo única e exclusivamente o princípio da mais valia. O repasse da responsabilidade do Estado de fomento à produção cultural para a iniciativa privada tem causado tais distorções e feito predominar no país uma política privatizante, excludente e concentradora.
Trabalhamos na contramão da economia de mercado, reconhecemos o direito à cultura como exercício crítico da cidadania e por isso, não podemos nos sujeitar aos interesses do capital. Viver reféns de uma farta bilheteria ou dos humores do marketing empresarial para garantir nossa manutenção é o mesmo que decretar o fim de nosso ofício.
Reafirmamos o entendimento de que cabe ao Estado criar condições sociais, políticas e econômicas para a construção de uma sociedade na qual a arte e a cultura sejam compreendidas como um direito universal. A luta por mecanismos legais de fomento que proporcionem ao artista a criação livre das influências mercadológicas, financiada diretamente por fundos públicos, é uma causa baseada em princípios éticos e ideológicos, que extrapola questões estéticas e corporativistas.
Nossa crença em um Estado efetivamente democrático e que conte com a participação da sociedade civil organizada na formulação de suas políticas públicas, resiste com tamanha veemência por também acreditarmos que a luta contra a censura e o cerceamento à liberdade de expressão, travada durante o período da ditadura, não foi em vão.
Grupo Teatro Invertido*
Belo Horizonte, 04 de fevereiro de 2010.
* O Grupo Teatro Invertido foi criado em 2004, tem cinco espetáculos em seu repertório, e desde 2008 é sediado no bairro Sagrada Família - Belo Horizonte.
Resposta aos mestres, por Gustavo Bones
Li, domingo último, uma entrevista concedida por dois ícones do teatro belorizontino ao jornalista Ailton Magioli, do jornal Estado de Minas. Pedro Paulo Cava e Jota Dangelo estão lançando livros sobre a história do teatro na cidade e isso muito me alegra. Nessa entrevista, os mestres falaram sobre a produção teatral de BH, sobre a Campanha de Popularização, o papel da crítica, as leis de incentivo e o teatro de grupo. Ao terminar de ler esta entrevista - com perguntas muito pertinentes, por sinal - tive certeza de que os leitores do jornal precisavam de outra visão sobre o panorama teatral da cidade. Espero, com esta "resposta", contribuir com a divulgação de uma idéia de cultura e principalmente, de sociedade, que o teatro de grupo (chamado por eles de “teatro charada”) pretende difundir. Para isso, após breve introdução, respondo às mesmas perguntas respondidas por Cava e Dangelo. Espero falar em nome de meu grupo, o espanca!, de grupos amigos e de artistas independentes que, como nós, lutam por políticas públicas de fomento à produção e investigação artísticas e pela garantia do direito constitucional de acesso à cultura.
Muito prazer, meu nome é Gustavo Bones, sou ator de teatro. Há quase 6 anos, fundei junto a artistas que admiro muito, o grupo espanca!. Eu, Grace Passô, Marcelo Castro e vários parceiros de diversas áreas das artes de Minas e do Brasil, criamos três espetáculos que, além de vencerem os principais prêmios de Belo Horizonte e do Brasil, participaram dos mais importantes festivais de teatro do país e foram vistos por mais de 55.000 pessoas, em aproximadamente 50 cidades de 12 estados brasileiros e em Berlim, na Alemanha. Mas estes números não são o mais importante para nós. O mais importante é que estes espetáculos são fruto de uma intensa reflexão coletiva sobre nossa condição de estar no mundo e sobre a arte teatral. Esperamos com eles suscitar nossos espectadores a também refletirem sobre si e sobre nossa vida em sociedade. E através deles, nos posicionamos ética e esteticamente num país em que, julgamos, constrói lentamente uma idéia de cidadania. E queremos contribuir com essa caminhada. Uma caminhada que devemos, todos os brasileiros, fazer em grupo.
Foi ainda adolescente, ao assistir trabalhos como "Romeu e Julieta", do Grupo Galpão, "O Homem da Cabeça de Papelão", do Grupo Trama, "A Hora da Estrela", da Cia. Acaso e “Lusco Fusco” da Cia. Acômica, que vi que o teatro pode ser uma obra de arte feita em conjunto, reflexo de ansiedades artísticas de atores, diretores e demais criadores e que assim, comunique um posicionamento crítico diante do mundo. Foi com Chico Pelúcio, do Grupo Galpão e Cida Falabella, da ZAP 18, que aprendi a me posicionar como artista, a dialogar para construir e que é preciso ter um compromisso com o que se diz no palco. Foram nos grupos de teatro de Belo Horizonte que eu e meus companheiros do espanca! nos formamos. E foi em nosso grupo de teatro que descobrimos, juntos, maneiras de criar espetáculos que vão além do simples divertimento.
O que melhorou e o que piorou no teatro feito em Minas Gerais?
Tivemos, ultimamente, pequenos, porém importantes avanços no teatro belorizontino. A consolidação de espaços de criação, formação de atores e cidadãos e divulgação do teatro (como a ZAP18 e o Galpão Cine Horto), e das sedes de grupos utilizados como espaços de apresentação e troca com a comunidade; a criação do edital “Cena Minas”, que visa a formação de público, a manutenção de companhias teatrais e a aquisição de equipamentos para circos do estado; a edificação do Verão Arte Contemporânea como evento coordenado por artistas, abrindo espaços para a divulgação de novos trabalhos, companhias e pensamentos; e a criação dos fundos estadual e municipal de cultura, que garantem verba para o fomento à arte no estado, independente das leis do mercado. Sabemos que estes fatos e programas ainda são pouco diante da realidade teatral da cidade e do estado (e em alguns casos, mal regulamentados) e que ainda temos uma grande luta pela garantia destes programas como políticas públicas que assegurem a todos os cidadãos o direito constitucional ao acesso à cultura. Bom exemplo disso foi a recente transformação do FIT (Festival Internacional de Teatro) em Lei do Município de Belo Horizonte, garantindo sua realização independentemente dos programas de governos que virão.
Fenômeno de público, a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança é alvo de crí¬ticas, principalmente por causa do grande número de comédias na programação. O que vocês têm a dizer sobre isso?
Diante da Campanha de Popularização, duas formas de encarar a função social do teatro podem ser destacadas. Uma primeira que responde mais prontamente à demanda de parte expressiva da população, que procura o teatro como fonte exclusiva de diversão, de entretenimento. Em geral, ao responder tão prontamente a essa demanda, esse tipo de teatro acaba por reforçar uma visão mercadológica e a contribuir com a fornação de um público aliendado, acomodado. Uma outra forma de conceber a função do teatro pode ser considerada como sendo mais investigativa, mais comprometida com uma reflexão crítica sobre a realidade. Em geral, o teatro nesta perspectiva propõe uma forma sensível de encarar o mundo.
Este evento é realmente um sucesso de mercado. Vende, dá lucro, demanda um trabalho burocrático (não criativo) de seus organizadores e conta ainda com patrocinadores de peso, através das leis de incentivo. Queremos que as pessoas freqüentem o teatro. O fato de a população de BH ir ao teatro durante a Campanha é uma vitória dos produtores e da cidade. Mas, cabe aos artistas refletirem sobre o que apresentam a esses espectadores, enquanto visão de mundo. E lutar contra a imbecilização de nossa sociedade, fugindo dos padrões alienantes da TV, do formato sitcom, da perpetuação de preconceitos.
Além disso, cria-se um nó: a organização exige que as produções cobrem mais caro durante o ano para garantir a participação na Campanha, única época do ano em que estamos isentos de cobrar a meia entrada.
Sempre é possível encontrar espetáculos de qualidade na programação. Mas o que temos que entender é que a Campanha de Popularização é um evento organizado por produtores que encaram seus espetáculos como produtos a serem vendidos, visando exclusivamente o lucro. Mas existe um teatro que não cabe nesse formato. Um teatro feito por artistas, que querem formar um público consciente, inquieto, que não se interessa exclusivamente pelo divertimento. Este teatro, por não seguir as regras do mercado e por ser essencial na formação da identidade dos membros de uma sociedade, precisa do apoio das instituições públicas para existir. E deve contar com políticas púbicas, transparentes, garantidas por lei, que o viabilize.
Qual é o papel da crítica no fomento da cena teatral?
Cabe à crítica conhecer a realidade teatral brasileira, mineira e belorizontina e saber reconhecer a importância de uma obra teatral neste contexto. Vislumbramos a crítica como uma forma de abrir espaços para a discussão e a reflexão sobre o teatro e sua força no mundo. Claro que um crítico teatral deve conhecer os fundamentos da cena. Mas sentimos falta de uma crítica que saia da lógica competitiva do mercado, contestando os mecanismos de opressão e valorizando o pensamento crítico diante da realidade. Faz muita falta em Belo Horizonte uma crítica preocupada com os impactos sociais, estéticos e políticos de uma obra, menos envolvida com rankings e listas de mérito.
As leis de incentivo realmente estimulam a produção?
A produção mercadológica, talvez. As leis de incentivo estimulam a lei do mercado, que, em geral, não coincide com as “leis da arte”. Elas funcionam assim: um proponente apresenta uma proposta, solicitando uma verba para a realização de um projeto cultural. O poder público garante, para alguns, o direito de solicitar essa verba junto à iniciativa privada que tem como estímulo a dedução de impostos devidos ao governo. Diante dessa aprovação, os proponentes devem buscar, junto às empresas, verba para a realização do seu projeto. Para chegar até uma empresa, contratam captadores, que levam propostas culturais até os responsáveis dentro das empresas, apenas fechando negócios, embolsando dinheiro sem realizar nenhuma etapa do projeto. E, quando conseguem sensibilizar uma empresa, os projetos fazem propaganda institucional para essa patrocinadora. Portanto, uma idéia contemplada com uma lei de incentivo, deve atender de alguma maneira aos interesses lucrativos da iniciativa privada. As leis de incentivo utilizam recursos públicos para satisfazer os desejos dos departamentos de marketing das empresas. E para atender a um teatro que não responde à lógica mercantil, temos que repensar essa forma de viabilização. A classe teatral brasileira, quando se uniu e conseguiu dialogar com governantes dispostos a pensar a cultura como política de Estado criou alternativas importantes como as Leis de Fomento ao Teatro das cidades de São Paulo (referência nacional) e Porto Alegre e a proposta original do Prêmio Teatro Brasileiro (recentemente enviado ao Congresso pelo Presidente Lula, ainda sem lei regulamentar, através do chamado Programa Procultura).
De que o teatro precisa neste momento?
O teatro no Brasil ainda precisa ser reconhecido como bem simbólico, essencial para a vida em sociedade. O desejo de transformar experiências em símbolos é essencial à vida humana e sem ele, nos tornaremos egoístas e duros. E a cultura, como todo direito previsto na Constituição de nosso país, deve ser assegurada a todos pelo Estado brasileiro. Para isso, precisamos de políticas públicas, previstas em lei, que garantam a todos o direito de produzir e ter acesso aos bens simbólicos da sociedade. Precisamos urgentemente pensar em alternativas que garantam a realização de trabalhos que apostem na pesquisa de linguagem continuada e em relações estreitas com a comunidade.
O teatro de grupo continua sendo uma alternativa?
O teatro de grupo é, sem dúvida, uma alternativa para artistas que buscam desenvolver um trabalho continuado, de estreito diálogo com outros artistas e com a comunidade. É claro que ele não é a única alternativa para isso. Nem deve ser. Mas, como vem se destacando como uma atividade que questiona a lógica do mercado, deve contar com o apoio do poder público e da sociedade civil. O teatro de grupo é tido como uma característica do Estado de Minas Gerais, símbolo de reconhecimento e prestígio na cena nacional. É inegável que grupos como o Galpão, ZAP18, Trama, Giramundo, Acômica, Oficcina Mutimedia, Armatrux (apenas alguns exemplos) já produziram um bem imensurável para a sociedade e compõem um patrimônio de Minas e do Brasil. E, portanto, devem ser estimulados e protegidos como tal. Fomentar o surgimento de novos grupos e oferecer condições para seu pleno funcionamento é obrigação de um país que queira se desenvolver.
Muito prazer, meu nome é Gustavo Bones, sou ator de teatro. Há quase 6 anos, fundei junto a artistas que admiro muito, o grupo espanca!. Eu, Grace Passô, Marcelo Castro e vários parceiros de diversas áreas das artes de Minas e do Brasil, criamos três espetáculos que, além de vencerem os principais prêmios de Belo Horizonte e do Brasil, participaram dos mais importantes festivais de teatro do país e foram vistos por mais de 55.000 pessoas, em aproximadamente 50 cidades de 12 estados brasileiros e em Berlim, na Alemanha. Mas estes números não são o mais importante para nós. O mais importante é que estes espetáculos são fruto de uma intensa reflexão coletiva sobre nossa condição de estar no mundo e sobre a arte teatral. Esperamos com eles suscitar nossos espectadores a também refletirem sobre si e sobre nossa vida em sociedade. E através deles, nos posicionamos ética e esteticamente num país em que, julgamos, constrói lentamente uma idéia de cidadania. E queremos contribuir com essa caminhada. Uma caminhada que devemos, todos os brasileiros, fazer em grupo.
Foi ainda adolescente, ao assistir trabalhos como "Romeu e Julieta", do Grupo Galpão, "O Homem da Cabeça de Papelão", do Grupo Trama, "A Hora da Estrela", da Cia. Acaso e “Lusco Fusco” da Cia. Acômica, que vi que o teatro pode ser uma obra de arte feita em conjunto, reflexo de ansiedades artísticas de atores, diretores e demais criadores e que assim, comunique um posicionamento crítico diante do mundo. Foi com Chico Pelúcio, do Grupo Galpão e Cida Falabella, da ZAP 18, que aprendi a me posicionar como artista, a dialogar para construir e que é preciso ter um compromisso com o que se diz no palco. Foram nos grupos de teatro de Belo Horizonte que eu e meus companheiros do espanca! nos formamos. E foi em nosso grupo de teatro que descobrimos, juntos, maneiras de criar espetáculos que vão além do simples divertimento.
O que melhorou e o que piorou no teatro feito em Minas Gerais?
Tivemos, ultimamente, pequenos, porém importantes avanços no teatro belorizontino. A consolidação de espaços de criação, formação de atores e cidadãos e divulgação do teatro (como a ZAP18 e o Galpão Cine Horto), e das sedes de grupos utilizados como espaços de apresentação e troca com a comunidade; a criação do edital “Cena Minas”, que visa a formação de público, a manutenção de companhias teatrais e a aquisição de equipamentos para circos do estado; a edificação do Verão Arte Contemporânea como evento coordenado por artistas, abrindo espaços para a divulgação de novos trabalhos, companhias e pensamentos; e a criação dos fundos estadual e municipal de cultura, que garantem verba para o fomento à arte no estado, independente das leis do mercado. Sabemos que estes fatos e programas ainda são pouco diante da realidade teatral da cidade e do estado (e em alguns casos, mal regulamentados) e que ainda temos uma grande luta pela garantia destes programas como políticas públicas que assegurem a todos os cidadãos o direito constitucional ao acesso à cultura. Bom exemplo disso foi a recente transformação do FIT (Festival Internacional de Teatro) em Lei do Município de Belo Horizonte, garantindo sua realização independentemente dos programas de governos que virão.
Fenômeno de público, a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança é alvo de crí¬ticas, principalmente por causa do grande número de comédias na programação. O que vocês têm a dizer sobre isso?
Diante da Campanha de Popularização, duas formas de encarar a função social do teatro podem ser destacadas. Uma primeira que responde mais prontamente à demanda de parte expressiva da população, que procura o teatro como fonte exclusiva de diversão, de entretenimento. Em geral, ao responder tão prontamente a essa demanda, esse tipo de teatro acaba por reforçar uma visão mercadológica e a contribuir com a fornação de um público aliendado, acomodado. Uma outra forma de conceber a função do teatro pode ser considerada como sendo mais investigativa, mais comprometida com uma reflexão crítica sobre a realidade. Em geral, o teatro nesta perspectiva propõe uma forma sensível de encarar o mundo.
Este evento é realmente um sucesso de mercado. Vende, dá lucro, demanda um trabalho burocrático (não criativo) de seus organizadores e conta ainda com patrocinadores de peso, através das leis de incentivo. Queremos que as pessoas freqüentem o teatro. O fato de a população de BH ir ao teatro durante a Campanha é uma vitória dos produtores e da cidade. Mas, cabe aos artistas refletirem sobre o que apresentam a esses espectadores, enquanto visão de mundo. E lutar contra a imbecilização de nossa sociedade, fugindo dos padrões alienantes da TV, do formato sitcom, da perpetuação de preconceitos.
Além disso, cria-se um nó: a organização exige que as produções cobrem mais caro durante o ano para garantir a participação na Campanha, única época do ano em que estamos isentos de cobrar a meia entrada.
Sempre é possível encontrar espetáculos de qualidade na programação. Mas o que temos que entender é que a Campanha de Popularização é um evento organizado por produtores que encaram seus espetáculos como produtos a serem vendidos, visando exclusivamente o lucro. Mas existe um teatro que não cabe nesse formato. Um teatro feito por artistas, que querem formar um público consciente, inquieto, que não se interessa exclusivamente pelo divertimento. Este teatro, por não seguir as regras do mercado e por ser essencial na formação da identidade dos membros de uma sociedade, precisa do apoio das instituições públicas para existir. E deve contar com políticas púbicas, transparentes, garantidas por lei, que o viabilize.
Qual é o papel da crítica no fomento da cena teatral?
Cabe à crítica conhecer a realidade teatral brasileira, mineira e belorizontina e saber reconhecer a importância de uma obra teatral neste contexto. Vislumbramos a crítica como uma forma de abrir espaços para a discussão e a reflexão sobre o teatro e sua força no mundo. Claro que um crítico teatral deve conhecer os fundamentos da cena. Mas sentimos falta de uma crítica que saia da lógica competitiva do mercado, contestando os mecanismos de opressão e valorizando o pensamento crítico diante da realidade. Faz muita falta em Belo Horizonte uma crítica preocupada com os impactos sociais, estéticos e políticos de uma obra, menos envolvida com rankings e listas de mérito.
As leis de incentivo realmente estimulam a produção?
A produção mercadológica, talvez. As leis de incentivo estimulam a lei do mercado, que, em geral, não coincide com as “leis da arte”. Elas funcionam assim: um proponente apresenta uma proposta, solicitando uma verba para a realização de um projeto cultural. O poder público garante, para alguns, o direito de solicitar essa verba junto à iniciativa privada que tem como estímulo a dedução de impostos devidos ao governo. Diante dessa aprovação, os proponentes devem buscar, junto às empresas, verba para a realização do seu projeto. Para chegar até uma empresa, contratam captadores, que levam propostas culturais até os responsáveis dentro das empresas, apenas fechando negócios, embolsando dinheiro sem realizar nenhuma etapa do projeto. E, quando conseguem sensibilizar uma empresa, os projetos fazem propaganda institucional para essa patrocinadora. Portanto, uma idéia contemplada com uma lei de incentivo, deve atender de alguma maneira aos interesses lucrativos da iniciativa privada. As leis de incentivo utilizam recursos públicos para satisfazer os desejos dos departamentos de marketing das empresas. E para atender a um teatro que não responde à lógica mercantil, temos que repensar essa forma de viabilização. A classe teatral brasileira, quando se uniu e conseguiu dialogar com governantes dispostos a pensar a cultura como política de Estado criou alternativas importantes como as Leis de Fomento ao Teatro das cidades de São Paulo (referência nacional) e Porto Alegre e a proposta original do Prêmio Teatro Brasileiro (recentemente enviado ao Congresso pelo Presidente Lula, ainda sem lei regulamentar, através do chamado Programa Procultura).
De que o teatro precisa neste momento?
O teatro no Brasil ainda precisa ser reconhecido como bem simbólico, essencial para a vida em sociedade. O desejo de transformar experiências em símbolos é essencial à vida humana e sem ele, nos tornaremos egoístas e duros. E a cultura, como todo direito previsto na Constituição de nosso país, deve ser assegurada a todos pelo Estado brasileiro. Para isso, precisamos de políticas públicas, previstas em lei, que garantam a todos o direito de produzir e ter acesso aos bens simbólicos da sociedade. Precisamos urgentemente pensar em alternativas que garantam a realização de trabalhos que apostem na pesquisa de linguagem continuada e em relações estreitas com a comunidade.
O teatro de grupo continua sendo uma alternativa?
O teatro de grupo é, sem dúvida, uma alternativa para artistas que buscam desenvolver um trabalho continuado, de estreito diálogo com outros artistas e com a comunidade. É claro que ele não é a única alternativa para isso. Nem deve ser. Mas, como vem se destacando como uma atividade que questiona a lógica do mercado, deve contar com o apoio do poder público e da sociedade civil. O teatro de grupo é tido como uma característica do Estado de Minas Gerais, símbolo de reconhecimento e prestígio na cena nacional. É inegável que grupos como o Galpão, ZAP18, Trama, Giramundo, Acômica, Oficcina Mutimedia, Armatrux (apenas alguns exemplos) já produziram um bem imensurável para a sociedade e compõem um patrimônio de Minas e do Brasil. E, portanto, devem ser estimulados e protegidos como tal. Fomentar o surgimento de novos grupos e oferecer condições para seu pleno funcionamento é obrigação de um país que queira se desenvolver.
Vozes da experiência
A verdade sobre o teatro que temos que engolir: por Pedro Paulo Cava e Jota Dangelo
Não é fácil fazer teatro no Brasil. Mas isso não desanima Jota Dangelo e Pedro Paulo Cava, nomes importantes das artes cênicas mineiras. Em bate-papo no Teatro da Cidade, a dupla critica as mudanças na lei de mecenato propostas pelo Ministério da Cultura, reclama de empresas e gestores especializados em intermediar a produção cultural e garante: a falta de críticos especializados faz falta ao teatro de Minas Gerais.
Atentos à cena contemporânea, os dois recomendam cuidado a jovens grupos. “Alguns deles se tornaram massa de manobra de uma pseudopolítica cultural que se instalou em alguns estados. Em Belo Horizonte, isso foi de uma clareza absoluta. Manipulam-se os recursos para esse tipo de gente”, afirma Cava. “Em alguns espetáculos noto que o pessoal está mais preocupado em fazer charada que teatro”, adverte Dangelo.
O que melhorou e o que piorou no teatro feito em Minas Gerais?
Jota Dangelo – A coisa mais importante foi a facilidade que as pessoas têm, hoje, de se formar em uma escola profissionalizante, em curso para atores. Com isso, obviamente, multiplicaram-se as possibilidades de se encontrar bons atores, bons diretores. Evidentemente, também se multiplicaram os grupos, nem sempre de muita qualidade. Há um problema sério nessa profissão: o ator tem de ser chamado, ele não sai da escola e vai fazer teatro. Como isso às vezes não acontece, alguns acabam se juntando para formar um grupo. E aí se multiplicam os grupos.
Pedro Paulo Cava – O Dangelo tem razão na questão da escola. Participei de uma, a do Ronaldo Boschi – o Centro de Pesquisas Teatrais, nos anos 1960 e 1970 – e depois fundei a Oficina de Teatro, em 1981, embrião de outras escolas, inclusive a do próprio Palácio das Artes. Agora, outra coisa que contribuiu para a melhoria das escolas de teatro foi o aumento do número de casas de espetáculos. O Teatro da Cidade foi a primeira casa particular de Belo Horizonte construída por um artista. Na época em que a abri, só havia teatros públicos aqui. Começamos a obra em 1987, inauguramos em 1990. Vamos fazer 20 anos agora. Acho ruim o fato de todas as companhias, grupos e produtores – que antes faziam com recursos próprios ou de marketing de empresas, em parcerias espontâneas – terem se tornado reféns das leis de incentivo. Criou-se uma figura estranha no meio: as empresas que intermediam e o gestor cultural, que, se puder atrapalhar, faz tudo para isso.
Fenômeno de público, a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança é alvo de críticas, principalmente por causa do grande número de comédias na programação. O que vocês têm a dizer sobre isso?
JD – Acontece um fato estranho em relação a essa campanha. A impressão que se tem é de que o público belo-horizontino resolveu eleger a campanha para ir ao teatro. No resto do ano, ele não estaria interessado. Chega a hora da campanha, é hora de o público se voltar todinho para as artes cênicas. Então, é um fenômeno estranho, porque talvez Belo Horizonte seja a única cidade brasileira em que o evento, que vem de muitos anos, persistiu. Verdade que há número exagerado de espetáculos e comédias. Outro dia mesmo, conferi a programação para ver se ia a alguma peça. Nada me atraía.
PPC – A campanha começou em 1973-74. A primeira foi feita no grito pelo Júlio Varela e por Edi Barreto Mendes. Logo depois, como presidente da extinta Fatedemg, assumi o projeto e vendemos 500 e poucos ingressos. Foi um sucesso. Hoje, vendem-se 360 mil. É o maior evento teatro do país, não tenho dúvida. É alvo de críticas – primeiro, porque é um sucesso; segundo, porque realmente há coisas que precisam ser críticas. Mas a questão não é o número grande de comédias. O brasileiro gosta de comédia. O problema, às vezes, é a qualidade de determinados espetáculos e o oportunismo de algumas pessoas. Elas jamais fizeram temporada, uma produção, mas fazem algo para poder entrar na campanha, para ganhar algum dinheiro para começar o ano. Isso, dividido por 12 meses... Quer dizer: se pegarmos o salário do ator, não dá para ele se sustentar durante o ano. A campanha realmente tem uma fórmula de sucesso, o público que vai ver essas comédias é das classes C e D, principalmente jovens.
Qual é o papel da crítica no fomento da cena teatral?
JD – No momento, é zero. Não há crítica. Aliás é o que falta ao teatro mineiro. Mesmo quando há alguns críticos, eles não escrevem regularmente. Hoje não há críticos de teatro, mas de espetáculos, que escrevem sobre tudo: dança, música, teatro. Falta não apenas fazer crítica, mas fazer parte do universo das artes cênicas para dizer também os problemas que a classe enfrenta e coisas relacionadas à política das artes cênicas.
PPC – Acho necessário voltar a fazer um curso, como na época da Oficina de Teatro, que formou vários críticos. Na época, trouxemos Yan Michalski, Edelcio Mostaço e outros especialistas, formamos alguns críticos aqui na imprensa. Está faltando dar essa cutucada nos jornalistas da área. A cutucada pode ser um curso de crítica, um curso intensivo sobre como ver um espetáculo teatral e também sobre como estar dentro da problemática do setor, como o Dangelo falou. A crítica já teve papel mais importante do que tem hoje.
As leis de incentivo realmente estimulam a produção?
JD – Hoje, é impossível pensar em produção nas artes cênicas sem leis de incentivo. Fora o filme Lula, o filho do Brasil, todo mundo precisa das leis. Mas elas têm sua face perversa, suas distorções , que não serão resolvidas como quer o ministro da Cultura, Juca Ferreira. Ele está preconizando mudanças de tal maneira que deixará de existir o mecenato para ficar só o fundo cultural. Isso é viés ideológico, é estatizante, vai acabar em grupinho pequeno dizendo o que vai ser beneficiado e o que não será. Se bem que tenho informação de que a mudança da lei não vai para a frente.
PPC – Só uso lei de incentivo para a manutenção do Teatro da Cidade. Nunca recorri a ela para espetáculos. Em todos eles acabo, de certa maneira, obtendo um ou dois patrocínios para que sejam realizados por meio de marketing direto para as empresas. Como estou fazendo isso repetidamente, vamos fidelizando esses patrocinadores. A proposta do ministro da Cultura de acabar com a lei é ditatorial, a classe artística não foi ouvida. Tanto Caetano Veloso como Zé das Tranças, que tem um congado lá em Matipó, têm direito de acesso à lei. Trocá-la por um fundo, que vai ficar na mão de um burocrata da cultura e, em geral, tem uma cor partidária... Encarregar esse burocrata de determinar a política a ser adotada é tirar a roupa de um santo para vestir outro. O ministério alega que as empresas estão determinando a estética da cultura brasileira. A partir de então, seria o governo. Ou seja, nós vamos voltar ao tempo da ditadura. Isso não vai passar no Congresso.
De que o teatro precisa neste momento?
JD – Tenho uma ideia meio esdrúxula, não apenas em relação ao teatro. Vejo a cultura de maneira tão diferente. Mais que todas as artes, o teatro é coletivo. Há necessidades tão específicas de cada grupamento, de cada produtor, que fica difícil falar em política cultural. Quando ouço falar em política cultural, tenho a impressão de que se pode uniformizar as coisas. Na política para o teatro e as outras artes, precisa-se daquilo que estabelecemos há muito tempo: ao Estado cabe simplesmente estimular, divulgar e fazer com que o acesso à cultura seja o mais amplo possível. Não mexam no processo criativo, por favor. Isso cabe a quem cria.
PPC – O que está faltando ao teatro é qualidade, além de uma coisa que a gente fazia nos anos 1960, 1970 e meados da década de 1980. Os artistas se reuniam para pensar o que é produção, o que é a coisa do movimento cultural. Hoje, vejo reuniões para pensar políticas públicas de cultura. Isso não interessa muito para o artista, não. Para ele, que está na ponta e é beneficiado ou prejudicado por essas políticas, o importante é saber como divulgar o trabalho, como vai apresentá-lo, que público vai ter.
JD – Como vai sobreviver.
PPC – Falta à classe teatral ou cultural descer do salto alto e deixar de achar que é vanguarda. Não somos vanguarda de nada, estamos vivendo um momento extremamente caótico, em que há desinformação total a respeito do que é arte e cultura. E ainda há a figura do gestor botando lenha na fogueira, dizendo que eles é que vão determinar que arte e cultura podem ser feitas neste país. Isso é uma espécie de censura.
JD – É preciso tomar um pouco de cuidado para a gente não cair em esparrelas, em armadilhas, como vejo hoje muito difundida uma tal de democracia direta. É mais ou menos aquela em que você faz consultas diretas como se as maiorias fossem a verdade. É preciso ter cuidado com esse tipo de coisa, porque nem sempre as pessoas estão em condições de decidir. Cuidado com isso, porque a cultura, quando evolui, evolui com experiência. É preciso ter avanço.
O teatro de grupo continua sendo uma alternativa?
PPC – O chamado teatro de grupo, hoje, vem para desunir a categoria. Ele foi um braço armado de determinados políticos, que chegaram ao poder com o objetivo de dividir a categoria, achando isso exatamente na chamada estética. Esses grupos de teatro de vanguarda, chamados de ‘teatro cabeça’, têm um tipo de patrocínio direto do Estado que mantém até o salário dos atores. Ao contrário dos produtores, obrigados a fazer o salário na bilheteria. Esses jovens grupos se tornaram massa de manobra de uma pseudopolítica cultural que se instalou em alguns estados. Em Belo Horizonte, isso foi de uma clareza absoluta. Manipulam-se os recursos para esse tipo de gente, porque o resto que está aí não presta. E é a coisa da falta de memória, também. Chega-se ao poder e apaga-se o que está para trás. É o mesmo que fazer a revolução de Mao Tsé-tung em um país capitalista.
JD – É preciso ter cuidado. Em alguns espetáculos que tenho visto, noto que o pessoal está mais preocupado em fazer charada que teatro. Você não sabe exatamente o que eles querem com o espetáculo.
PPC – O jovem artista de hoje quer falar mais do próprio umbigo que do coletivo. Eu e o Dangelo, que foi pai de todos nós, somos da geração do coletivo. Claro que, em determinado momento, fizemos espetáculo sobre a angústia do homem, a questão existencial. Mas teatro não pode ser só isso. E também não pode ser uma forma hermética, charada para determinado tipo de público. Algo que não precisa e, aliás, nem quer mais de 20 espectadores. Isso só reduz informação. Não é prestação de serviço, é para um grupo de iniciados.
JD – Tenho acompanhado a coisa no eixo Rio-São Paulo, está ocorrendo a mesma coisa lá. Dificilmente, os produtores cariocas e paulistas – com raras exceções – conseguem fazer temporada de três meses. É, no máximo, um mês, um mês e meio. O que acontece? O sujeito está pegando patrocínio, aquilo pagou a produção, ele não está mais interessado em bilheteria não. Aquilo acabou e ele já quer fazer outro espetáculo. O mais prejudicado é o ator, que perde o público.
Estado de Minas - Ailton Magioli - 31/1/10
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